SIMPLEX+2016 -perigo de info-exclusão?

No passado dia 17 de Novembro de 2016 foi aprovado em sede de Conselho de Ministros uma Proposta de Lei que permitirá às pessoas, empresas (nacionais e estrangeiras) e outras entidades, a recepção de todas as notificações administrativas e fiscais por via electrónica.

A referida Proposta de Lei, que será agora submetida à apreciação da Assembleia da República, faz parte integrante do Programa SIMPLEX+2016 – programa bandeira do actual executivo – e não deverá ser encarada pelos cidadãos como uma novidade, mas antes como uma evolução das políticas de implementação da era digital na actividade desenvolvida pelo Estado, a qual terá necessariamente um impacto no quotidiano dos Portugueses.

De acordo com a página oficial do SIMPLEX+2016, que poderá ser consultada através do website www.simplex.gov.pt/, a concretização desta medida traduz-se criação de uma plataforma electrónica comum a várias entidades públicas, tuteladas nomeadamente pelo Ministério da Saúde, da Justiça, das Finanças e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a qual irá apresentar um serviço de notificações para cidadãos e empresas através de SMS e mensagens de correio electrónico, por subscrição, nas diversas áreas de actuação da Administração Pública.

Este mesmo programa terá segundo o actual executivo, essencialmente, as seguintes vantagens:

  • Uma poupança no primeiro ano a rondar os €21M já em 2017, os quais deverão resultar da eliminação dos gastos em papel no envio das ditas notificações e respectivo correio;
  • Um maior imediatismo no acesso à informação por parte dos cidadãos, reduzindo-se consideravelmente o tempo que decorre entre o envio e a recepção de uma notificação;
  • De forma indirecta, a referida medida terá ainda um marcado cariz ecológico, apresentando-se como uma decorrência da desmaterialização do envio das notificações em papel;

Sem prejuízo do supra exposto, sempre se dirá que os Portugueses – através da aprovação do Orçamento de Estado de 2012, o qual ditou que os sujeitos passivos de IRC e IVA são obrigados a aderir ao sistema de notificações electrónicas da Autoridade Tributária – já se encontram minimamente familiarizados com a informatização das notificações efectuadas pelo Estado, sendo a medida proposta pelo Governo uma evolução lógica deste procedimento.

Em linha com este raciocínio, e em particular no que diz respeito aos Advogados, nunca será demais recordar que Portugal deu no ano de 2008, um corajoso passo no sentido da desburocratização procedimental e diminuição da utilização do papel – estamos naturalmente a falar da plataforma electrónica Citius.

Ora, e considerando que esta implementação e respectiva obrigatoriedade do envio das peças electrónicas através da transmissão electrónica de dados não surgiu como uma decisão inesperada ou irreflectida – mas foi antes o resultado de uma lenta e ponderada marcha que teve o seu início com a alteração do artigo 150.º do Código de Processo Civil, em 10 de Agosto de 2000, por via do Decreto-Lei n.º 183/2000, culminando na actual redacção do artigo 144.º n.º1 do C.P.C. – estamos em crer que deverá ser aproveitada toda a experiência que resultou desta desmaterialização, nas várias medidas que deverão ser adoptadas para colocar em prática não só o previsto pelo Governo no programa SIMPLEX+2016, mas também nos sucessivos programas que terão em vista a concretização das mesmas.

Tendo isto presente, e sem prejuízo de se entender que esta será efectivamente uma medida necessária e que irá vingar no longo prazo, a mesma afigura-se de momento como demasiado optimista, não só em termos de implementação da mesma a curto/médio prazo, mas também nos níveis de poupança que se encontram previstos.

Com efeito, e no que tange à referida implementação, o Estado terá que contar com a colaboração do cidadão, o qual terá que se deslocar a uma Loja do Cidadão ou aceder ao Portal do Cidadão, escolher ser notificado através desta modalidade e fidelizar um endereço de correio electrónico, passando o mesmo a constituir a sua morada única digital nas relações com as diferentes entidades públicas.

Ora, será precisamente aqui que surge o primeiro entrave a este programa: é que não existindo uma obrigatoriedade de adesão a esta medida para as pessoas singulares, não é crível que se atinjam os níveis de poupança projectados pelo Governo para 2017 – a este respeito, e apenas para efeitos de contextualização e de possível analogia, nunca será demais relembrar que dos 9.682.369 portugueses inscritos para votar nas legislativas de 2015, 43,07% não foram às urnas, o que desde logo deixa antever que a participação do cidadão neste acto o qual, repita-se, não irá revestir de qualquer obrigatoriedade, deverá ser algo limitado e aquém do esperado.

Ainda a este respeito surge com alguma naturalidade o tema da info-exclusão, Digital Divide ou Techno “Apartheid”. Estes são todos termos que se referem a um mesmo problema: a existência de uma lacuna entre aqueles que podem efectivamente usar as novas Tecnologia da Informação e ferramentas de comunicação, como a Internet, e aqueles que não podem.

Ora, existindo a perspectiva real que a info-exclusão se torne o analfabetismo do século XXI, e tendo em consideração que de acordo com os dados divulgados pelo Departamento de Assuntos Económicos e Sociais da ONU, já em 2030 Portugal será o terceiro país do mundo com a população mais envelhecida (50,2 anos em média), logo depois do Japão (51,5) e da Itália (50,8), o actual e posteriores Governos terão que ter o necessário cuidado na elaboração das medidas que visam implementar este tipo de mecanismos de informatização, de forma a assegurar os plenos direitos de todos os cidadãos, e em especial aquele que se encontra consagrado no artigo 37.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa sob a epigrafe “Liberdade de expressão e informação”:

– Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de se informar, sem impedimentos nem discriminações.

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