No passado dia 19 de maio festejou-se o “Dia do Advogado”, celebrado nesse dia por referência ao dia 19 de maio de 1347, data em que Ives Hélory foi canonizado como Santo Ivo, o padroeiro dos advogados. Ives Hélory nasceu em 17 de outubro 1253 e nos cinquenta anos em que viveu (morreu em 19 de maio de 1303) destacou-se por ter dedicado a sua vida aos outros, em particular à defesa e ao aconselhamento jurídico dos mais pobres. Para além de advogado, Ives Hélory foi ainda padre e magistrado, sendo recordado pela integridade e solidariedade com que exerceu estas funções e, acima de tudo, as de advogado.
Esta é uma ótima efeméride para abordar um dos assuntos que me parecem mais transversais e mais relevantes para os advogados na atualidade, que é o tema dos atos próprios dos advogados e solicitadores e da defesa da área reservada de atuação dos advogados e solicitadores.
Importa perceber que a prática de atos dos advogados e solicitadores encontra-se atualmente sujeita ao quadro legal e normativo resultante da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, que deve ser lida em conjunto com o Estatuto da Ordem dos Advogados e demais legislação profissional. Contudo, a prática revela que esta área de competência exclusiva é invariavelmente usurpada por inúmeras entidades que gravitam à voltam da advocacia, tais como os gabinetes de contabilidade, mediadoras imobiliárias, agências funerárias, empresas de consultoria, entre outros.
Quantos de nós, advogados, não estremeceram já ao ouvir um cliente justificar determinadas ações e opções com um cândido “O meu contabilista disse-me…”?.
Não bastava que cidadãos menos prudentes recorram com frequência ao “Dr. Google”, temos ainda profissionais que descaradamente enganam os cidadãos e as empresas fazendo-os confiar naquilo que eles não sabem, não percebem, nem têm competência para saber ou perceber.
Mais do que a tutela da advocacia, é a tutela dos cidadãos e do Estado de Direito que justifica plenamente que seja feito um esforço sério e coordenado entre a Ordem dos Advogados, outras congéneres associativas e o Estado Português, para que se garanta o cumprimento da legislação em vigor sobre esta matéria.
No que respeita aos advogados portugueses, a verdade é que, paradoxalmente, temos coletivamente sido mais duros com aqueles que pretendem aceder à nossa profissão do que com aqueles que invadem o núcleo fundamental da sua existência. É um paradoxo que explica muita da ineficiência nesta matéria que é, aliás, hoje merecedora de uma reflexão e atualização urgentes.
Julgo que este será um dos combates das gerações mais novas de advogados, procurar uma definição clara e moderna do que é a área de atuação exclusiva dos advogados e desse modo defender a nossa profissão e o Estado de Direito.
É necessário, também, estabelecerem-se medidas preventivas adequadas a salvaguardar esse espaço próprio.
Não defendo uma profissão fechada, pois a multidisciplinaridade técnica de muitos dos assuntos que os advogados são responsáveis é uma evidência, mas é essencial saber estabelecer um quadro normativo que defina de forma adequada o espaço de ação e o espaço de associação entre as várias entidades adequados aos interesses públicos subjacentes. O pior que pode existir em qualquer política legislativa ou associativa são conceitos que preexistem como “vacas sagradas”, fechados à evolução e incapazes de entenderem a sociedade que visam regular.
É, igualmente, muito relevante reforçar a atuação sancionatória da procuradoria ilícita, pois sem essa componente qualquer quadro normativo será insuficiente. Como já escrevi nesta sede, a pior autoridade não é a que não impõe regras, é aquela que as impõe, mas depois permite a sua violação sem qualquer resistência ou sanção.
Esperamos esperançosos por um novo amanhã neste tema, desejando que esses dias cheguem rápidos. No entretanto, tenhamos coração e uma “paciência de santo” para, qual Santo Ivo, reagirmos de forma ponderada sempre que sejamos confrontados com a resposta “o meu contabilista disse-me…”.
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