Com a publicação do Decreto-Lei n.º 126-C/2017, de 6 de outubro, o legislador português criou o Fundo de Coinvestimento 200M (doravante abreviadamente designado por “Fundo”), o qual dispõe de um capital social fixado em EUR 100.000.000,00 (cem milhões de Euros), e cujos recursos resultam de contribuições da União Europeia (designadamente, os provenientes de Fundos Europeus Estruturais e de Investimento), de contribuições de outros investidores públicos e instituições financeiras multilaterais, rendimentos provenientes da aplicação dos recursos próprios, bem como de quaisquer outros rendimentos.
A constituição do Fundo integra uma sequência de políticas que têm vindo a ser adotadas no âmbito do Programa do XXI Governo Constitucional, cujo principal intuito é o de garantir a promoção de uma recuperação forte e sustentada do crescimento económico nacional, nomeadamente por via da redução do endividamento das empresas nacionais, do reforço da respetiva recapitalização, relançando a economia e promovendo a competitividade. Entre outras políticas, refira-se, a título meramente enunciativo, a opção de criação do regime legal das Sociedades de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia, por via da publicação do Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho, política adotada ao abrigo do Programa Capitalizar, por sua vez aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/2016 de 18 de agosto, e que assume como objetivos essenciais o relançamento da economia portuguesa e a criação de emprego, por via da redução do elevado nível de endividamento e a melhoria de condições destinadas ao investimento nas empresas nacionais.
O Fundo, com natureza autónoma, tem por objeto realizar operações de investimento de capital e quase capital em Pequenas e Médias Empresas (doravante, “PME”), em regime de coinvestimento, visando (i) fomentar a constituição ou capitalização de empresas em fase de arranque (seed, start-up, later stage venture – séries A e B de investimento), bem como (ii) promover o incremento da atividade de capital de risco em Portugal. De facto, considerando que nos termos do preâmbulo do Decreto-Lei, o Fundo deverá operar diretamente através da tomada de participações em empresas alvo de investimento por parte de outros operadores, públicos ou privados, de capital de risco, e que serão estes últimos a liderar os referidos investimentos, para além da injeção de financiamento garantir-se-á, ainda, que às PME são transmitidos conhecimentos e experiências relevantes ao nível de especificidades técnicas, comerciais e financeiras, indispensáveis para a prossecução da respetiva atividade social.
As PME poderão ser objeto de coinvestimento por parte do Fundo caso apresentem projetos de inovação ao nível de processo ou produto, sendo que deverá ser preenchido de um conjunto de requisitos, cumulativos entre si, para o efeito. Assim, (i) as operações a realizar pelo Fundo devem ser realizadas em regime de coinvestimento com operadores de capital de risco (sociedades de capital de risco, sociedades gestoras de fundos de capital de risco, sociedades de investimento em capital de risco, fundos de capital de risco, incluindo os fundos europeus de capital de risco designados “EuVECA”, investidores em capital de risco, sociedades de empreendedorismo social, fundos de empreendedorismo social, incluindo os fundos europeus de empreendedorismo social designados “EuSEF”, sociedades de investimento alternativo especializado, fundos de investimento alternativo especializado ou outras entidades que, não exercendo atividade em Portugal, possam participar no capital de empresas nacionais, e já tenham realizado operações semelhantes às previstas no Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado). Por outro lado, (ii) a candidatura ao Fundo deve ser apresentada pelo coinvestidor, que se comprometerá a investir, na mesma PME, a mesma (ou superior) quantia que aquela que resulta da candidatura. Acresce ainda que Fundo e coinvestidor, na sequência da operação de investimento, não poderão ser titulares de metade (ou mais de metade) do capital social ou dos direitos de voto da PME financiada. Finalmente, para que possa coinvestir com o Fundo, (iv) o coinvestidor fica proibido de recorrer a outros instrumentos de natureza pública que tenham origem em Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.
Por outro lado, cumpre referir que a carteira de investimentos do Fundo poderá abarcar (i) os ativos decorrentes de operações de subscrição e aquisição de partes do capital social de PME, ou de (ii) obrigações ou outras formas de financiamento próprio ou alheio emitidas por empresas que, igualmente, se qualifiquem como PME. Por outro lado, também (iii) opções de compra e de venda de participações em empresas em cujo capital participem operadores de capital de risco poderão integrar a carteira de investimentos do Fundo, assim como (iv) garantias de qualquer tipo, prestadas pelo Fundo, na partilha de risco inerente a operações de capital de risco em coinvestimento com outros operadores de capital de risco.
Cumpre ainda destacar a importância da opção adotada pelo legislador nacional no artigo 18.º do Decreto-Lei, que previu que todos os resultados líquidos apurados pelo Fundo são totalmente reinvestidos neste. De facto, ainda que consideremos que se impunha uma tal solução, a sua omissão poderia implicar que fossem levantadas sérias dúvidas subjacentes à identificação dos beneficiários últimos da atividade do Fundo.
Dada a notória crise de acesso ao crédito bancário, os elevados graus de endividamento das PME nacionais (as quais compõem mais de 99% do tecido empresarial português), a sua incapacidade de se financiarem junto do mercado de capitais nacional, ou mesmo de se capitalizarem adequadamente, bem como a necessidade de injeção de capitais nessas mesmas empresas, por forma a potenciar e garantir a viabilidade de projetos empresariais inovadores, cremos que é de aplaudir a opção do legislador nacional em criar, e regular, o Fundo.
Por outro lado, e no que respeita à consagração da limitação que prevê que o Fundo apenas possa intervir em operações de coinvestimento juntamente com operadores de capital de risco, bem se denota a preocupação de o legislador nacional desejar que setor privado e público coexistam e interajam entre si, encetando esforços conjuntos no sentido de garantir, de forma conjunta, o fomento da economia.
Contudo, apenas o tempo, o desenrolar dos acontecimentos, e a forma de reação e atuação dos operadores nacionais de capital de risco, permitirá afiançar que a opção de criação do Fundo, e respetiva regulação, foi acertada.
Os dados estão lançados. Cumprirá, apenas, aguardar, e posteriormente aferir do sucesso, ou não, da opção assumida pelo legislador português.
João Nuno Barros | Advogado da PLMJ | Doutorando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto
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