Segundo os recentíssimos dados do Global Peace Index, publicados pelo Institute for Economics and Peace (IEP), Portugal é o terceiro país mais pacífico do mundo.
Também de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2016, o número total de participações criminais desceu 7,1% relativamente ao ano anterior, “tendo sido retomada a tendência de descida desde 2009”.
Ainda mais impressiva é a descida de 11,6% nas participações em matéria de criminalidade violenta e grave, registando-se o valor mais baixo de participações deste tipo de criminalidade desde 2003.
Tendo em conta esta evolução tão positiva é natural que a elevadíssima taxa de encarceramento que tão paradoxalmente nos caracteriza venha sendo sinalizada com muita preocupação pelas mais diversas entidades nacionais e internacionais.
É que a par deste clima de paz que nos é muito legitimamente reconhecido, o nosso país apresenta uma taxa de encarceramento crescente e bastante superior à da média europeia (que vem revelando, inclusivamente, um decréscimo da população reclusa).
As Estatísticas Penais Anuais do Conselho da Europa e os dados do RASI revelam que a nossa taxa de população prisional é superior à de países como Itália, Grécia, Bélgica, Irlanda, França, Alemanha ou a Áustria.
Como se não bastasse, Portugal exibe tempos de prisão quase 3 vezes mais longos do que os da média europeia, uma forte sobrelotação prisional e, conforme sublinhado pelo nosso Bastonário, um número excessivo de presos preventivos (mais de 2000 por ano).
Tudo isto é conhecido, tudo isto impressiona pela negativa e tudo isto vem sendo sublinhado por todos os atores judiciários, pelos órgãos de soberania, pelo governo, pelo Provedor de Justiça, pela Ordem dos Advogados, pelas academias, por ONG’s, e por aí fora.
A prisão como “instituto” e a prisão como “espaço físico” estão na ordem do dia. Ninguém acredita que a prisão permite a reintegração dos agentes do crime na sociedade. Todos parecem defender que a prisão é um instituto do passado, podendo os fins das penas ser mais bem prosseguidos com recurso a outras medidas sancionatórias. Todos sabem que em muitas das prisões portuguesas os reclusos vivem em condições indignas e que os estabelecimentos prisionais que temos não são suficientes para a população reclusa instantânea. Todos conhecem a escassez de guardas prisionais no ativo.
Ou seja, não se encontra uma voz dissonante relativamente à perplexidade que a estatística do encarceramento português revela tendo em conta “a circunstância” do país e a capacidade dos estabelecimentos prisionais, não havendo memória de uma matéria que mereça tamanho consenso no discurso institucional.
Porém, o tempo passa, e em Portugal são cada vez mais aplicadas as penas de prisão – que, por sua vez, são também cada vez mais pesadas – e os estabelecimentos prisionais estão cada vez mais sobrelotados.
E se é bem verdade que “punir [parece] ser uma paixão contemporânea” da Europa e do mundo, como muito bem realçou no dia de ontem o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, numa alusão ao ensaio de Didier Fassin “Punir. Une Passion Contemporaine”, o que naturalmente merece muita reflexão, não deve perder-se de vista que as questões supra aludidas denunciam a existência de um problema especificamente português.
Em Portugal, a criminalidade geral e a grave e violenta decrescem, enquanto a pena de prisão aumenta, em contraciclo com o que sucede na Europa. Há que perceber a razão desta contradição nos termos e promover uma cultura diferente, sobretudo perante quem reclama a aplicação de penas pesadas e de quem as aplica.
Há países em que a formação de Juízes e de magistrados do Ministério Público exige a permanência dos auditores, por alguns dias, em estabelecimentos prisionais. Da minha parte parece-me que todos os atores judiciários – incluindo os advogados – deveriam ter de passar por esta experiência formativa. Estou certa que a defesa dos Direitos Humanos dos Arguidos e presos seria muito mais bem conseguida.
Ana de Oliveira Monteiro | Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas
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