É impossível não ver e não ouvir a discussão que está instalada no seio da advocacia portuguesa sobre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (a “CPAS”) e o respetivo regulamento em vigor, a que muitos ainda chamam de “novo”, mas que está longe de o ser, uma vez que já é conhecido desde 2014 e está em vigor desde 2015.
Quando falamos num sistema com o propósito e a estrutura da CPAS, tratamos de uma questão de justiça, de justiça intergeracional, de justiça social. É, pois, neste sentido e nesta perspetiva que devemos analisar, numa primeira linha, o problema da CPAS e do respetivo regulamento em vigor, que, aliado à subida do SMN, começa agora a fazer-se sentir de forma asfixiante na carteira de milhares de advogados e advogados estagiários.
Neste âmbito, creio ser difícil encontrar quem ache justo que um conjunto de gerações tenha sido sobrecarregada de forma muito significativa num curtíssimo espaço de tempo (e 2018 é “apenas” o segundo ano de aumentos graduais) com o propósito primordial de corrigir os vícios de um sistema que se tornou insustentável por via dos privilégios que concedeu às gerações mais velha e de uma gestão miserável da CPAS, que permitiu acumular ao longo de décadas uma dívida de milhões de euros em contribuições.
É por tudo isto que desde finais de 2014, quer no exercício da profissão, quer no exercício de funções institucionais, tenho, em conjunto com outros Colegas, dedicado muito do meu tempo e da minha atividade ao tema da CPAS e do então novo regulamento. Neste âmbito preparámos comunicados sobre todo o processo de aprovação e conteúdo do regulamento atual; preparámos notas de imprensa e abordámos, com ou sem solicitação prévia, esta temática em entrevistas e intervenções públicas; apresentámos propostas e debatemos pontos de vistas, pedimos, estivemos e abordámos este tema em reuniões com o Provedor de Justiça, com os candidatos a Bastonário nas eleições de 2017, com o Bastonário e Direção da CPAS em funções e em múltiplos eventos que organizámos e participámos ao longo do último triénio, tendo realizado em particular um evento especificamente sobre esta matéria, para a qual convocámos especialistas em temas de previdência social e deputados à Assembleia da República.
É por tudo isto, também, que me sinto particularmente à vontade para afirmar que me parece que a discussão sobre a situação da CPAS está finalmente a assumir as proporções certas para a sua importância e impacto. Contudo sem rodeios ou receios de uma qualquer onda formada e alimentada no/pelo pelourinho dos tempos modernos, devo assumir que, ao entender que esta discussão está a assumir as proporções certas, me parece também que a mesma está a seguir a direção errada, em particular, com a convocação de uma manifestação de advogados.
Em primeiro lugar, porque penso que a advocacia portuguesa já tem demasiadas exigências e desafios para se poder dar ao luxo de pôr em causa o seu prestígio perante os cidadãos a que serve manifestando-se contra as suas próprias instituições e os seus próprios pares.
Em segundo lugar, porque penso que, num momento em que o poder político tem em mãos (ou “em gaveta”) uma proposta de alteração ao regulamento produzida e aprovada pela advocacia que – longe de acabar com a injustiça do regime – será, ainda assim, positiva para todos, o sinal de desunião que resultará da realização desta manifestação enfraquecerá a posição da CPAS e da Ordem dos Advogados na reivindicação junto dessas entidades da aprovação imediata das propostas em causa.
Em terceiro lugar, porque penso que todos devem respeitar os ciclos eleitorais da Ordem dos Advogados e da CPAS e, com toda a franqueza, não deixo de ver e perceber que este movimento ganhou força pela aliança pós-eleitoral de duas listas derrotadas nas eleições à CPAS de 2016, que pretendem tiram proveito do impacto real e duro na vida de todos os advogados da subida em mais 2% das contribuições (já vão 4% em 2 anos, tendo este ano sido agravada pela subida do SMN) e de um conjunto de declarações do Presidente da CPAS, sendo pois perfeitamente compreensível que muitos Colegas, vendo-se neste mês de janeiro pela primeira vez sufocados pela prestação mensal à CPAS, se associem de forma imediata.
Em quarto lugar, e último lugar, porque, seja pelo tipo de ação, seja pela exigência das vidas profissionais de todos os advogados, seja pelos custos associados (sobretudo para os que estão fora de Lisboa), estimo que o número de participantes da manifestação – por maior “sucesso” que esta venha a ter – seja sempre infinitamente inferior ao número de advogados severamente afetados pelo atual regulamento de CPAS e que esperam e desesperam por alternativas.
Na minha perspetiva, o tema da CPAS tem que ser tratado pelos advogados com o máximo cuidado e rigor, sob pena do património da mesma – que é igualmente um corolário da independência dos advogados em relação ao Estado e ao poder político – poder ficar irremediavelmente perdido. É por isto que defendo que o único caminho que vejo para atingir uma CPAS “sustentável, justa e solidária” é o de promover um debate sério, profundo e realizado num enquadramento institucional adequado sobre o âmbito e as modalidades da proteção conferida aos beneficiários, sobre a distribuição intergeracional do esforço contributivo e sobre a sustentabilidade de todo o sistema.
O debate sobre a CPAS atingiu, pois, finalmente a dimensão certa, mas do meu ponto de vista ainda não está na direção correta. E terá que estar e muito rapidamente porque a CPAS não pode ser significado da asfixia de várias gerações que a integram, que são vítimas da injustiça que o decurso histórico que conhecemos lhes infligiu nesta matéria, e que esperam e desesperam (sobretudo) a partir de agora por uma solução.
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