Lá estava eu, nos primórdios de um novo amor naquele segundo ano da Faculdade de Direito de Lisboa, com a primavera a despontar, onde nos descobríamos com a sinceridade que a anterior amizade ainda não tinha permitido. Nessa altura, ela conta-me o que se dizia de mim na Faculdade. Algumas coisas boas (não retive nenhuma, na verdade) e uma de que nunca mais me esqueci: eu era o menino bonito dos professores. Prova: um colega tinha assistido à minha oral de História do Direito, eu não tinha dado uma para a caixa e, ainda assim, tinha sido bafejado com um 13!
O que realmente tinha acontecido: o jovem estudante tinha quebrado com um desgosto de amor em plena época de exames e rebentara com toda a herança da sua boa avaliação contínua. Assim, chegou à oral de História do Direito e, de facto, não conseguiu responder a nada. Em circunstâncias normais teria 3 numa escala de 20. Simplesmente, era uma oral de melhoria, o rapazinho já levava 13 e estava vedada a reformatio in pejus naquelas orais, de acordo com as regras da Faculdade. O meu ilustre colega de curso (que nunca soube quem era) tinha assistido a uma oral miserável, ouviu o professor a anunciar as notas no final (eu não subi, naturalmente!), tomou a parte pelo todo e tratou de dar cabo – ainda mais – da minha reputação. Espero que não seja juiz.
Por isso me irritam os juízes apressados, que não querem saber tudo, só lhes interessa um determinado facto. Mas a verdade é que a minha má prestação e a minha nota final não permitem o silogismo, ignorando os “pormenores” de contexto: as regras sobre orais de melhoria.
Noutro tema, ainda sobre a direção dos julgamentos, menos óbvio (e, admito, mais polémico) é o bom senso na manutenção da dignidade das audiências. Pessoas semideitadas, de pernas ou braços cruzados, seminuas ao ponto de desviar a atenção do depoimento, não contribuem para a dignidade das audiências. Não que seja um crime, mas, uma vez que tenho a preocupação, em regra, de tirar os óculos escuros no momento de cumprimentar alguém, pelo menos, que conheça pior, poderei manter-me em audiência de julgamento com o mesmo bom senso de quem sabe que ninguém se mantém com bonés em qualquer espaço fechado e que os homens não estão com qualquer chapéu na cabeça quando nesses espaços. É o básico de uma certa tradição. Por isso, não me parece nada mal que os juízes chamem a atenção perante alguns abusos. Se estivéssemos a falar de crianças, a chamada de atenção teria de ser imediata. Mas, quando se está a depor, a regra não pode ser essa. Um juiz com bom senso mantém o sangue frio de ouvir o depoente até ao fim e, quando se proporcionar – no final do depoimento ou no final da sessão, caso o depoimento venha a prosseguir –, explica quais são as regras de respeito pelas pessoas e pelas instituições e, até, que o que ocorreu não se pode repetir em qualquer circunstância. O que não pode acontecer é perder-se de vista o essencial: a espontaneidade do depoimento; a descoberta da verdade. Nalguns casos, cair violentamente sobre a testemunha, arguido ou assistente, no início do depoimento, tem como únicos resultados: postura correta, é certo, tensão e perda da “verdade, toda a verdade e só a verdade…”
Já cá vim uma vez dizer que há coisas que não se aprendem nos livros de Direito, mas que a vida nos ensina e são determinantes para os julgamentos. Eu também vou demorando a perceber e cá vou andando por tentativa e erro. Se muitos magistrados estiverem disponíveis para, errando, continuar a tentar, já é muito bom. Ganha essa verdade que não se apressa: a verdade toda.
Pedro Duro | Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas
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