São várias as modalidades de financiamento colaborativo: enquanto o financiamento colaborativo de capital pressupõe que a entidade financiada remunere o financiamento obtido mediante uma participação no respetivo capital social, distribuição de dividendos ou partilha de lucros, o financiamento colaborativo por empréstimo verifica-se quando a entidade financiada remunera o financiamento obtido mediante o pagamento de juros fixados no momento da angariação. Por outro lado, o financiamento colaborativo através de donativo verifica-se quando a entidade financiada recebe um donativo, com ou sem a entrega de uma contrapartida pecuniária, enquanto o financiamento colaborativo com recompensa implica que a entidade financiada fique obrigada à prestação do produto ou serviço financiado, como contrapartida do financiamento obtido.
Ora, em complemento ao regime jurídico do financiamento colaborativo, a Lei n.º 3/2018 (doravante, a “Lei”) veio definir o regime sancionatório aplicável ao desenvolvimento da atividade de crowdfunding.
Numa breve referência ao regime sancionatório aplicável à atividade de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo, importa começar por referir que a autoridade competente para efeitos de supervisão, regulamentação, fiscalização, averiguação de infrações, instrução processual e aplicação de coimas e sanções acessórias no quadro da respetiva atividade, escolhida pelo legislador nacional, foi a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (doravante, a “CMVM”).
A este respeito, note-se que nos termos da Lei, as contraordenações podem assumir a forma de muito graves, graves ou leves.
Em primeiro lugar, as contraordenações muito graves relacionam-se com a prática de atos, ou o exercício de atividades de financiamento colaborativo, sem que se cumpra o respetivo registo junto da CMVM ou, havendo registo, fora do âmbito que dele resulta, bem como com a violação de sanções acessórias de interdição temporária de atividade ou de inibição do exercício de funções e de representação cominadas pela CMVM.
Já as contraordenações graves prendem-se, entre outras infrações, com a violação das regras de prestação de informação, a violação das regras sobre a confidencialidade da informação recebida pelas entidades gestoras de plataformas eletrónicas de financiamento colaborativo, ou a violação das regras de comunicação ou prestação de informação à CMVM ou a comunicação ou prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, ou ainda a omissão dessa prestação de informação. Qualificam igualmente como tal o incumprimento do dever legal, por parte das entidades gestoras da plataforma eletrónica de financiamento colaborativo, de não adotarem, ou reduzirem a escrito, as políticas e procedimentos de organização interna, bem como a violação do regime de organização interna, a falta de comunicação atempada à CMVM, pelas entidades gestoras da plataforma eletrónica, da alteração dos elementos objeto do registo da atividade, e, em geral, a prática de atos ou operações proibidos pelas entidades gestoras de plataformas eletrónicas de financiamento colaborativo, bem como o incumprimento de ordens ou mandados legítimos da CMVM transmitidos por escrito aos seus destinatários.
Por fim, pode constituir contraordenação leve a violação das regras de publicidade relativas às ofertas, bem como a violação de deveres não previstos na Lei, mas que se encontrem consagrados no regime jurídico do financiamento colaborativo e respetiva regulamentação, assim como noutras leis, nacionais ou internacionais.
Para efeitos de fixação das coimas aplicáveis a cada tipo de contraordenação (nos termos acima expostos), o legislador nacional previu intervalos entre EUR 5.000 e EUR 1.000.000 para punição de contraordenações muito graves (no entanto, caso o triplo do benefício económico obtido por via da infração praticada exceda o limite máximo da coima aplicável, este deve ser elevado àquele valor), entre EUR 2.500 e EUR 500.000 para efeitos de punição de contraordenações graves, e entre EUR 1.000 e EUR 200.000 relativamente a contraordenações leves.
Acrescente-se, ainda, que o legislador português elencou um conjunto de sanções acessórias, que poderão vir a ser aplicadas cumulativamente com as coimas supra citadas, e que poderão implicar a apreensão e perda do objeto da infração, incluindo o produto do benefício obtido pelo infrator através da prática da contraordenação, a interdição temporária do exercício pelo infrator da profissão ou da atividade a que a contraordenação respeita, a inibição do exercício de funções de administração, gestão, direção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação em entidades sujeitas à supervisão da CMVM, bem como o cancelamento do registo necessário para o exercício de atividades de financiamento colaborativo.
Em suma, e atenta a importância subjacente à previsão de novos mecanismos de financiamento empresarial, bem como a necessidade de que tais meios de financiamento se assumam como credíveis e confiáveis, cremos que andou bem o legislador nacional ao prever, por um lado, montantes elevados para efeitos de sancionar a prática de infrações, tendo em vista dissuadir eventuais infratores, bem como, por outro, ao prever sanções acessórias que visam a proteção dos investidores, em concreto, e do sistema financeiro, em geral, consagrando, ainda, que a tentativa é punível caso as contraordenações em questão assumam a forma de muito graves ou graves.
Por seu turno, no que concerne ao regime sancionatório aplicável à atividade de financiamento colaborativo através de donativo ou com recompensa, o legislador nacional selecionou como entidade competente para efeitos de fiscalização, instrução processual dos correspondentes processo contraordenacionais e aplicação de coimas e sanções acessórias no quadro da respetiva atividade, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, tendo previsto, ainda, que 40% do produto das coimas aplicadas reverta a favor de tal entidade (revertendo os restantes 60% a favor do Estado).
Relativamente a este regime sancionatório cumpre desde logo atentar na circunstância de o legislador nacional ter optado por prever coimas diferentes consoante o infrator seja uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva. Ademais, ao contrário do que estabeleceu para o regime sancionatório aplicável à atividade de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo, o legislador português, embora diferenciando entre contraordenações muito graves, graves e leves, previu que a tentativa é sempre punível, sendo a coima aplicável equivalente à da contraordenação consumada especialmente atenuada.
No que respeita ao grau de gravidade das infrações, o legislador previu que a prática de contraordenações muito graves implica a realização de atos ou o exercício de atividades de financiamento colaborativo sem a comunicação de início de atividade da plataforma, devida junto da Direção-Geral das Atividades Económicas (doravante, a “DGAE”) ou fora do âmbito que resulta da necessária comunicação, o incumprimento do limite máximo de angariação, ou a disponibilização de uma mesma oferta em mais do que uma plataforma.
Por seu turno, as contraordenações graves implicam, entre outros, a prática de atos que se traduzam na violação do regime de prestação de informações em relação à oferta, ou do regime de confidencialidade da informação recebida pelas entidades gestoras de plataformas eletrónicas de financiamento colaborativo, na falta de comunicação atempada à DGAE, por parte das
entidades gestoras da plataforma eletrónica, da alteração dos elementos objeto da comunicação da atividade, na prática de atos ou operações proibidas pelas entidades gestoras de plataformas eletrónicas de financiamento colaborativo, ou na violação do regime respeitante a conflitos de interesses.
Finalmente, constitui contraordenação leve a violação do regime de publicidade relativo às ofertas, bem como a violação de deveres não previstos na própria Lei, mas que se encontrem consagrados no regime jurídico do financiamento colaborativo e sua regulamentação, assim como noutras leis, nacionais ou não.
Em jeito de remate, dir-se-á que a regulamentação, ainda que tardia, do regime sancionatório aplicável à generalidade das atividades de financiamento colaborativo, constitui um importante avanço na construção do quadro legal de um novo meio de financiamento ao dispor das sociedades comerciais, o qual tem vindo a ser utilizado recorrentemente em outros países, com o sucesso reconhecido.
Caberá, durante o período de avaliação legislativa (cinco anos após a entrada em vigor da Lei), cuja previsão constitui medida legislativa extremamente oportuna e cuja adoção não podemos deixar de elogiar e apoiar, avaliar as opções tomadas pelo legislador, nomeadamente aferindo da oportunidade e méritos subjacentes à respetiva adoção e, sendo o juízo positivo como se espera, “limando as arestas” que a experiência permita, entretanto, identificar.
João Nuno Barros | Advogado da PLMJ | Doutorando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto
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