Mesmo numa época de crise dos sistemas democráticos, estes ainda são os melhores sistemas, pelo menos até se encontrar um sistema melhor.
Há quem repute a invenção do voto como crucial para que se fundassem verdadeiras nações civilizadas, invenção essa que alavancou o progresso das sociedades de forma incontornável.
Votar é o gesto, por excelência, de expressão da vontade livre num contexto democrático e o exercício deste direito – melhor dizendo, o cumprimento deste dever – é indissociável da existência de uma democracia saudável.
Na Ordem dos Advogados votar é obrigatório. Com efeito, dispõe o artigo 14.º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) que o voto é secreto e obrigatório. E o n.º 4 desse mesmo preceito dispõe ainda que o advogado que, sem motivo justificado, não exerça o seu direito de voto paga multa de montante igual a duas vezes o valor da quotização mensal, a reverter para a Ordem dos Advogados.
A utilização de um Sistema de Votação Electrónico (SVE) constitui uma oportunidade para modernizar o processo eleitoral, permitindo a mobilidade dos eleitores e aumentando a rapidez no apuramento dos resultados.
Outro dos apontados benefícios do voto electrónico é o facto de contribuir para a diminuição da abstenção.
A escassos meses das próximas eleições – sem que esta discussão tenha sido promovida no seio da Classe – o Conselho Geral da Ordem dos Advogados pretende fazer aprovar um regulamento que prevê, como forma única de sufrágio, o voto electrónico, presencial e à distância.
Parece evidente que as vantagens do voto electrónico não colhem quando aplicadas à Ordem dos Advogados, desde logo, porque não pode haver abstenção, considerando que o voto é, por força de lei (EOA), obrigatório. O que é distinto do voto em branco ou voto irregular no qual o eleitor exerce como lhe compete o seu direito-dever de votar.
Por outro lado, sempre a introdução de um sistema de voto electrónico teria de ser feita de forma gradual, progressiva, transparente e cautelosa, nunca podendo deixar de ser um processo composto por várias fases para permitir a compreensão do mesmo por parte dos eleitores e o seu perfeito domínio no que respeita aos seus aspectos técnicos.
É unanimemente adquirido, em todos os inúmeros estudos sobre SVE, que a sua adopção se trata de um processo complexo, que transcende os aspectos meramente tecnológicos, já que não pode pôr em causa direitos fundamentais como sejam a privacidade, o anonimato, a segurança, a integridade e a liberdade e democraticidade do sufrágio.
Ora, é igualmente consabido que não há segurança informática absoluta. Razão pela qual a implementação de um SVE tem sempre de ser precedida de experiências-piloto, devidamente auditadas e o seu desenvolvimento deverá ser confiado a várias entidades independentes, tornando-se evidente que a democracia inerente ao sufrágio não pode ficar refém de uma única entidade que detenha o controlo do processo eleitoral do início ao fim.
Acresce que os “hackers” não são cerimoniosos – não avisam e não conhecem limites – quando se trata de uma violação informática e o risco de fraude eleitoral é exponenciado (de forma inimaginável!) nas urnas electrónicas. Há inúmeros casos a ilustrar que assim é, mesmo nas democracias mais evoluídas. Enfatizando-se que, no caso da Ordem dos Advogados, tais cautelas devem ser reforçadas, porque o voto, como já se disse, é, nos termos do EOA, obrigatório.
Aliás, neste conspecto a Ordem dos Advogados tem tido alguns sustos no que tange à utilização dos endereços de correio electrónico e da área reservada dos Advogados, estando ainda por explicar de forma cabal – na minha óptica – o aparecimento de milhões de euros em facturas na plataforma da AT em nome de todos nós.
– Que garantias nos dá o Conselho Geral da Ordem dos Advogados a este respeito? Nenhumas! Até porque não pode!
– Que discussão teve com a Classe a propósito da adopção do sistema de voto electrónico? Nenhuma! Embora pudesse ter tido!
Nem é possível pensar que o fará apenas numa tarde – atenta a complexidade daquilo que vai ser discutido e submetido à votação – durante a Assembleia Geral convocada para dia 28 de Junho, próximo, pelas 14.00.
A uma conclusão é forçoso chegar: há uma ameaça profunda à democracia proveniente de quem nos representa na Ordem dos Advogados, restando apurar, apenas, se por ligeireza de ânimo ou com dolo específico.
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