A organização do tempo de trabalho consubstancia um fator crucial para a estabilidade dos trabalhadores e, se assim não acontecer, a sua vida pessoal e familiar torna-se imprevisível. Consequentemente, a regulação do tempo de trabalho é uma necessidade natural e que surge como garantia de condições de dignas de trabalho.
O regime legal tradicional do tempo de trabalho, marcado por uma acentuada rigidez, carateriza-se por uma fixação do período normal de trabalho diário e semanal, que dificulta a gestão de recursos humanos e implica elevados custos para a empresa, nomeadamente através do pagamento de trabalho suplementar.
O mundo atual pauta-se pela existência de uma nova economia, uma economia global assente na informação e no conhecimento, caraterizada por um funcionamento em rede, sem a existência de barreiras temporais ou espaciais, bem como por novas formas de organização do trabalho mais flexíveis, menos hierarquizadas e adaptáveis à vida privada de cada trabalhador, que têm por base o princípio da prevalência dos interesses de gestão.
Nesse sentido, cada vez mais as empresas recorrem a regimes de flexibilidade temporal tais como adaptabilidade de horários, banco de horas, horário concentrado ou teletrabalho que se caraterizam pelo conceito de duração média de tempo de trabalho e pela indexação do período normal de trabalho a um período de referência, tendo por base um sistema de auto-organização do trabalho em que o trabalhador organiza a sua atividade consoante as necessidades de trabalho da empresa.
Através da flexibilização do trabalho é permitida a redução efetiva das horas de trabalho de modo a que a relação entre a vida profissional e a vida familiar seja, pelo menos previsivelmente, mais equilibrada.
A existência de horários flexíveis apresenta vantagens para ambas as partes da relação laboral. É indiscutível, a título exemplificativo, a maior facilidade de o trabalhador conciliar a sua vida profissional com a pessoal e familiar e de não necessitar de despender tempo em deslocações. Permite ainda um ajustamento e flexibilização do tempo de trabalho em que o trabalhador, mais do que cumprir um horário de trabalho, se encontra adstrito ao cumprimento de objetivos e compactação das horas de trabalho semanal em moldes que permitam o aumento dos dias livres do trabalhador.
Também para o empregador se verificam vantagens, sem margem para dúvidas, nomeadamente os menores custos despendidos com recursos pela ausência do trabalhador do local de trabalho e o alargamento do horário de trabalho e da disponibilidade do trabalhador.
Conseguir trabalhar, acompanhar a família ou desenvolvimento de atividades de lazer devem, sem dúvida, fazer parte da rotina do trabalho.
Posto isto, cumpre-nos referir que estas formas flexíveis não podem ser utilizadas sem mais. A proliferação de práticas como o teletrabalho, trabalho móvel baseado nas novas tecnologias e os horários flexíveis apresentam grandes desafios para a Segurança e Saúde no trabalho, como a necessidade de gerir os riscos psicossociais relacionados com a prestação de trabalho solidário e erosão entre as fronteiras do trabalho e a vida pessoal.
De acordo com o “Relatório de Segurança e Saúde no Trabalho” da OIT as formas de flexibilização de trabalho provocam níveis mais altos de intensidade de trabalho, potenciam a existência de maiores conflitos entre o trabalhador e os membros do seu agregado familiar, o que provoca, consequentemente alterações nos níveis de bem-estar do trabalhador.
No fundo, trabalhar a partir de qualquer lugar e em qualquer altura pode ser de uma utilidade extrema. Não obstante, para que tal seja possível o trabalhador necessita de realizar o seu trabalho com o auxílio de dispositivos inteligentes, perdendo muitas vezes a interação necessária com os seus colegas e sentindo a falta do seu apoio. Esta prática laboral contribui ainda para aumentar o volume e o tempo de trabalho e para provocar uma disponibilidade constante para dar resposta às necessidades do empregador.
Para o empregador permite uma menor comunicação com o trabalhador e o desenvolvimento inferior de trabalho em equipa, menor capacidade de supervisionar o trabalho em equipa.
Em suma: Um dos maiores desafios dos dias de hoje que se colocam no mundo laboral é o de conciliar os direitos de cidadania dos trabalhadores com o aumento de capacidade de adaptação das empresas. O exercício da atividade através de formas flexíveis da prestação laboral que à partida podem parecer muito positivas, exigem uma utilização cuidada e consciente, uma vez que não também são inúmeras as desvantagens para as partes, permitindo em nome do princípio da dignidade pessoal e social, a conciliação da vida pessoal e familiar com o trabalho, exigência também da proteção da saúde e segurança no trabalho.
Joana Fuzeta da Ponte | Advogada na Macedo Vitorino & Associados
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