O mercado da exploração espacial afigura-se promissor para os próximos anos. A indústria do Espaço, historicamente desenhada em função de dinheiros públicos, tem hoje nos desenvolvimentos tecnológicos autênticos enablers do empreendedorismo privado.
Se a economia mundial cresce há 15 anos na ordem dos 3,5% em média, a indústria espacial tem apresentado consecutivamente números de expansão em dobro, sintoma de uma mudança radical no olhar dos agentes do mercado sobre as oportunidades de negócio além-Terra.
A proeminência de fundos públicos na indústria espacial foi durante anos mera consequência dos custos massivos a ela associados. A nova indústria corta a relação umbilical com os Estados-programa, mas enfrenta novos desafios, nomeadamente aquele que mais obstaculiza o empreendedorismo privado: o risco, seja o risco do (in)sucesso comercial, seja o que o risco representa para o acesso a financiamento.
O conceito Espaço deve ser desmistificado: nem só de estações espaciais feitas para durar largas dezenas de anos se faz negócio. Em boa verdade, uma vez incluídos players privados, o núcleo de interesse destes apontará sobretudo para outros ramos. A indústria é tão vasta quantos ramos e sub-ramos de negócio se possam incluir na indústria do lançamento de equipamento, na produção de satélites, assim como os serviços a eles associados, no equipamento terrestre, segurança nacional, exploração e ciência espacial, robótica, turismo espacial, energia, entre outros.
Portugal não se absteve de participar no desenvolvimento da indústria e lançou mão de dois instrumentos legislativos relevantes que enquadram a atividade espacial levada a cabo por privados: o regime de acesso e exercício de atividades espaciais e o regulamento que o densifica, nomeadamente em matéria de licenciamento, qualificação prévia dos agentes e registo de objetos espaciais.
A legislação tem o duplo poder de promover e atrofiar negócios. Cabe ao legislador, ao sumo regulador da vida em sociedade e mandante superior do dever-ser enquadrar juridicamente as atividades empreendedoras da forma mais eficiente possível sem prejudicar os valores inultrapassáveis da ordem jurídica. Observamos, não poucas vezes, que o legislador, figura proxy do Estado, alimenta a máquina burocrática potencialmente (e efetivamente) castrando a iniciativa privada em campos que desconhece.
A atividade espacial tem pelo menos duas vertentes fundamentais: por um lado, a atividade espacial em volume, que compreende, por exemplo, a ciência e exploração espacial, com largos períodos de implementação; por outro, a atividade espacial de pequena dimensão, ágil e comercializável.
Convenhamos que o primeiro tipo não é uma novidade. Aquele confunde-se com a atividade espacial dos Estados e nesta categoria – já de si restrita – é dominado sobretudo por aqueles que são dotados dos meios necessários à exploração espacial, nomeadamente Estados Unidos, Rússia e China, mas também a União Europeia, Índia ou Irão. A verdadeira expansão da indústria espacial, contudo, dar-se-á pela mão dos privados determinados a explorar comercialmente o segundo tipo.
O projeto de regulamento publicado pela ANACOM surge no seguimento da publicação já neste ano de 2019, do Decreto-Lei n.º 16/2019, de 22 de janeiro. Ambos instrumentos abordam diversas matérias da atividade espacial, desde a segurança ao licenciamento. É nesta última que, a meu ver, está o potencial contributo de Portugal à indústria do Espaço. Não parece, contudo, estar a ser aproveitado de sobremaneira.
Quase simultaneamente, o homónimo americano da ANACOM, a FCC, anunciou procedimentos simplificados de licenciamento dos smallsats, ou satélites de pequena dimensão. O projeto de regulamento americano promete agilizar o licenciamento destes satélites relativamente leves, cuja órbita dure até seis anos e que possam ser devolvidos à Terra a qualquer momento.
Neste ponto, o movimento regulatório de Portugal e Estados Unidos é distinto. Por um lado, o licenciamento em Portugal é indiferenciado e é passível de ser reduzido apenas nos casos em que o requerente seja entidade pública que atue ao abrigo de acordos em que participa o Estado português, ou a atividade tenha finalidades exclusivamente científicas, ou ainda que o requerente tenha já obtido autorização em outro Estado. Por outro, o licenciamento americano diferencia – ou promete diferenciar – entre tipos de atividades, pois que certos tipos de atividades comerciais exigem tempos de reposta mais céleres.
Se visualizarmos o mercado espacial como uma linha cujas extremidades são as atividades com longos e demorados períodos de implementação e custos associados, por um lado, e as atividades relativamente leves em custos e tempo para as operacionalizar, por outro, teremos que a oportunidade está neste novo Espaço lowcost e não naquela outra.
Como explicar, então, que Portugal colocando-se em perfeita competição regulatória com os Estados Unidos e outros agentes reguladores do mercado espacial, se posicione de forma tão conservadora? Na regulação, tal como nas atividades reguladas, e considerando que as empresas escolhem as jurisdições que melhor proveito lhe proporcionem – autêntico forum shopping – há apenas uma certeza: a ortodoxia não vinga.
André Feiteiro | Advogado-estagiário na Macedo Vitorino & Associados
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