A pandemia COVID-19 foi responsável por diversas “revoluções” no mundo laboral, entre as quais a criação de uma nova tendência: o alargamento exponencial do recurso ao teletrabalho.
Da noite para o dia, o teletrabalho teve de ser implementado na grande maioria das empresas portuguesas, passando o trabalho a partir de casa a ser a regra, e não a exceção, conforme sempre havia acontecido.
A recente mudança originou um conjunto de questões sobre o tema, entre as quais se encontram aspetos verdadeiramente importantes do teletrabalho, tais como, de quem será a responsabilidade pelo pagamento de despesas e custos, nos quais o trabalhador incorre para o exercício da sua atividade em teletrabalho? Mantém o trabalhador o direito ao pagamento das prestações retributivas que já auferia, relacionadas com determinadas despesas?
Importa distinguir diferentes situações.
A legislação laboral estabelece a presunção, ainda que ilidível, de que os instrumentos de trabalho relacionados com o manuseamento de teconologias de informação constitui propriedade do empregador, motivo pelo qual este é o responsável pelas respetivas despesas de instalação, manunteção e utilização (artigo 168.º do Código do Trabalho).
Por outras palavras: se o contrato de trabalho nada indicar quanto aos instrumentos de trabalho, parte-se do princípio de que estes pertencem ao empregador, que assegura a sua instalação, manutenção e despesas de utilização.
E o que acontece a outras despesas/prestações retributivas que o trabalhador auferia? Mantêm-se em regime de teletrabalho?
O Código do Trabalho reafirma o princípio da igualdade de tratamento do trabalhador em regime de teletrabalho (artigo 169.º do Código do Trabalho), de forma a garantir que o teletrabalhador não é prejudicado relativamente aos trabalhadores subordinados contratados segundo o regime comum.
Tal não significa que um trabalhador que deixe de prestar a sua atividade em regime normal, passando a laboral em teletrabalho, mantenha todas as prestações retributivas que lhe eram devidas. Existem prestações que apenas se justificam em função de contingências específicas relacionadas diretamente com o exercício da atividade fora do domicílio habitual do trabalhador.
Quando assim aconteça (v.g subsídio de refeição), passando o trabalhador a trabalhar em regime de teletrabalho, não deverá auferir o seu pagamento, não existindo qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, nem do princípio da igualdade. Só assim não sucederá, se as partes tiverem estipulado o pagamento de tal subsídio mesmo em regime de teletrabalho.
Com a implementação do regime de teletrabalho de forma massificada, e tendo sido suscitadas questões diversas relacionadas com este tema, os tribunais foram já chamados a pronunciar-se.
Nesse sentido, o Tribunal Federal da Suíça condenou uma empresa de contabilidade ao pagamento parcial da renda de casa de um trabalhador que se encontrava em regime de teletrabalho, dado que este apenas arrendou um apartamento para poder ter condições de trabalhar em regime de teletrabalho, a pedido do empregador.
Tendo a empresa alegado não ter chegado a acordo com o trabalhador com a devida antecedência quanto ao tipo de apartamento a arrendar, e por isso não ter de fazer o pagamento, o tribunal, não concordando com o empregador, acrescentou ainda que o trabalhador deveria solicitar uma indemnização com efeitos retroativos, após deixar a empresa.
De acordo com a decisão do tribunal, é irrelevante o facto de o trabalhador arrendar ou não um apartamento maior, por exemplo, para trabalhar a partir de casa, de forma adequada. Os decisores estimaram uma retribuição mensal no valor de 150 francos suiços (€141,5) pelo pagamento da renda do trabalhador.
Decidiu o tribunal no sentido de condenação da empresa, uma vez provado que, sem o arrendamento do espaço, o trabalhador não tinha um local adequado para prestar a sua atividade em regime de teletrabalho, motivo pelo qual o mesmo era necessário para o adequado exercício da sua profissão.
Para o tribunal, e tendo em consideração que de acordo com a legislação aplicável, o empregador deve reembolsar o trabalhador por todas as despesas em que necessariamente incorra na execução do contrato de trabalho e que indiretamente beneficiem o empregador, ainda que estejam em causa despesas do trabalhador que também o favoreçam na sua vida privada, a empresa deveria ser condenada a comparticipar no pagamento da renda.
A legislação laboral portuguesa nada estabelece nesse sentido.
Certamente questões como estas surgirão também no nosso país, podendo, eventualmente, vir a ser objeto de legislação.
Em suma: o Código do Trabalho apenas prevê o pagamento de despesas relacionadas com a instalação e utilização de tecnologias de informação pelo teletrabalhador, sendo omisso em relação às restantes. Nada sendo estabelecido no contrato de trabalho quando a essas, certamente que diversas questões práticas irão surgir, e que terão de ser objeto de decisões jurisprudenciais e, quem sabe de novas disposições legais.
Joana Fuzeta da Ponte | Advogada na Macedo Vitorino & Associados
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