Se já há muito era imperiosa a revisão da Tabela de Honorários dos Serviços prestados por Advogados/as no âmbito do SADT, the Spikes Virus tornou essa necessidade inadiável.
O actual contexto de Pandemia coloca o nosso país perante uma crise sem precedentes e a Advocacia não é, nem será, naturalmente excepção.
Por um lado os/as Advogados/as vão enfrentar nos próximos anos uma litigância anormal decorrente do tsunâmi Covid-19, assumindo a Advocacia neste período um papel imprescindível a vários níveis, designadamente na garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos e claro está, na efectivação do artigo 20º da CRP, garantindo e proporcionando que a todos seja assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Não será demais lembrar que em tempos de crise, o exercício de uma Advocacia livre e independente é indispensável para a garantia do Estado de Direito.
Por outro lado, os/as Advogados/as e as suas famílias são também vítimas desta crise de contornos inéditos. A Pandemia levou a uma pausa na vida de todos, deixando as famílias fechadas em casa, sem escolas, sem a vida social normal, levou à paralisação dos Tribunais e da maioria dos organismos públicos. Tudo isto teve um enorme impacto na sua vida pessoal e profissional. E, ao contrário dos restantes cidadãos, os/as Advogados/as foram excluídos dos apoios sociais atribuídos pelo Estado em virtude da crise económica desencadeada pela pandemia.
O exercício da Advocacia obriga à inscrição na Ordem dos Advogados e ao pagamento de uma quota mensal de 35€ (Advogado/a com mais de 6 anos de inscrição), obrigando também à inscrição na CPAS e ao pagamento obrigatório de uma contribuição mínima de 251€. A O. A. decidiu diferir em vez de isentar os/as Advogados/as de quotas no período de crise. Como estes profissionais têm um sistema de previdência com uma gestão privada (CPAS) o Estado entendeu que deveria ser este a garantir esses apoios sociais. A CPAS, por seu turno, entendeu que essa incumbência caberia ao Estado e assim ficou a Advocacia num limbo absolutamente inconstitucional, sem qualquer apoio, da sua Ordem, da CPAS ou do Estado. Situação que culminou na absurda alteração ao regulamento da CPAS que veio exigir uma sentença transitada em julgado que comprove que o/a beneficiário/a demandou toda a família e que esta não tem possibilidade de o auxiliar, antes de conseguir o apoio da CPAS.
Isto mais não é do que um profundo desrespeito pela classe e que teve o silêncio ensurdecedor de todos os órgãos da O.A. desde Julho (data da sua publicação) até há umas semanas atrás.
Mas situações extraordinárias exigem medidas extraordinárias e aos advogados/as inscritos/as no SADT têm que ser garantidas condições de trabalho ímpares, para que neste contexto singular e de enorme exigência, possam exercer o seu patrocínio forense de forma livre e independente. Este exercício livre e independente terá que estar necessariamente interligado com uma remuneração justa, adequada e proporcional ao serviço prestado.
Assim, e aproveitando o projecto de resolução que o Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia da República (Projecto de Resolução n.º 569/XIV/1.ª), no qual recomenda ao governo que reveja a tabela de honorários dos advogados pelos serviços no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, este é o momento da revisão da “velhinha” Tabela de Honorários dos Serviços prestados por Advogados no âmbito do SADT.
A tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro não sofre uma actualização há mais de uma década. E para além de estar desactualizada do ponto de vista remuneratório, não contempla as vigentes alçadas dos tribunais e não prevê as espécies processuais hoje existentes. Assim, a actualização deverá operar em todos estes níveis, prevendo todas os actos realizados pelos profissionais forenses no âmbito do SADT.
Bem antes da Pandemia já a Ordem dos Advogados, no mandato do Bastonário Guilherme Figueiredo, apresentou uma proposta de actualização da Tabela de honorários ao MJ. Proposta na qual tive a honra de trabalhar e que foi debatida no grupo de trabalho de iniciativa Ministerial com vista à Nova Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Esta proposta foi preparada e trabalhada pelo Conselho Geral da O.A. e I.A.D., teve vários contributos, como foi o caso da Interdelegações (Delegações da área do C. Regional de Lisboa da O.A) e foi posteriormente debatida no grupo de trabalho no Ministério da Justiça.
A proposta apresentada previa uma actualização da UR (devidamente fundamentada) para meia UC (UR = 51€), a actualização dos valores por acto/processo, as espécies processuais hoje existentes e a simplificação da Tabela com vista à confirmação automática dos honorários (a intervenção dos Srs. Funcionários Judiciais nas confirmações seria a excepção e não a regra). A maioria destes pontos foi consensual no seio do grupo de trabalho.
A Tabela em termos de estrutura foi dividia em intervenções no âmbito do Processo Civil, P. Penal, Administrativo e Fiscal, Família e Menores, Trabalho, Comércio, Cartórios Notariais, Conservatórias e Constitucional. Prevendo ainda a Inexistência de Fundamento, outras intervenções, contra-ordenações, intervenção ocasional em ato ou diligência isolada do processo, assistência a arguido preso ou junto de entidades policiais, deslocações do Advogado nomeado em todas as situações em que exista limitação de liberdade de movimentação do arguido ou beneficiário de apoio judiciário e a resolução extrajudicial do litígio.
No âmbito do Direito Processual Civil uma alteração relevante foi no sentido de todos os processos especiais não previstos na tabela e com valor passarem a integrar o ponto 1 da tabela (acções declarativas) e os honorários calculados de acordo com esse mesmo valor. Ainda neste âmbito, a tabela previa o Procedimento especial de despejo e as suas fases (Injuntória, Judicial e Executiva).
Já no que concerne ao Processo Penal saliento a introdução da Suspensão provisória do Processo, o PIC e a Execução do PIC.
O Administrativo e Fiscal ficaram divididos de uma forma simplista em quatro pontos (Comum, Especial, Fiscal e Recurso).
Quanto ao Direito Laboral saliento a remissão para os valores aplicáveis às acções declarativas, trazendo assim adequação e proporcionalidade à retribuição nos processos laborais.
No Comércio é previsto o PER.
E previa ainda a introdução na Tabela dos Cartórios Notariais e das Conservatórias, tendo em vista a retribuição do Advogado nos processos desjudicializados (Exº Divórcio por mútuo consentimento e Regulação do poder paternal por mútuo acordo).
Na proposta foram ainda clarificadas várias situações, como por exemplo a diferenciação das sessões de manhã e de tarde, diligências após o trânsito em julgado (Exº Cumulo Jurídico), a deslocação do Advogado nomeado em todas as situações em que exista limitação de liberdade de movimentação do arguido ou beneficiário, a resolução extrajudicial do litígio, o pagamento no caso de substituição de patrono no decurso do processo (pagamento individualizado a todos os intervenientes) e o conceito de intervenção para efeito de processamento de honorários (qualquer intervenção oral, escrita ou deslocação a qualquer diligência para que o advogado tenha sido notificado).
Por fim destaco a previsão de majorações na resolução extrajudicial, processos de especial complexidade e nomeações para fora da comarca.
Esta proposta final de Tabela apresentada há data ao MJ foi adaptada dentro do grupo de trabalho por forma a garantir uma aproximação de vontades que possibilitasse a sua aprovação. Era uma proposta de Tabela exequível quer do ponto de vista de estrutura, quer financeiro. Naquele momento havia uma convicção de que esta proposta de Tabela seria apta a gerar consenso suficiente para a sua aprovação.
Tinha e tenho a convicção de que a Tabela por si só não iria, nem irá resolver todos os problemas do SADT. Urge também rever a lei do acesso ao direito e adequar o Sistema às necessidades actuais e permitir a TODOS os cidadãos o acesso à justiça.
A revisão do critério de insuficiência económica, o alargamento do benefício às pessoas colectivas com fins lucrativos e empresários em nome individual em situação económica difícil, a criação de uma consulta jurídica prévia obrigatória, a nomeação de Tradutor/Interprete antes da fase de julgamento e a eliminação zonas de não acesso ao direito são alguns dos pontos a rever.
Seja por via desta proposta de Tabela, ou de outra que garanta aos Advogados/as inscritos/as no sistema uma justa retribuição pelo exercício forense livre e independente, AGORA é o momento (inadiável!) de actualizar a Tabela de Honorários dos Serviços prestados por Advogados/as no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, acautelando assim algumas das ondas de impacto do tsunâmi do Spike Virus sobre os Cidadãos e a Advocacia.
Nuno Ricardo Martins | Advogado
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